terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A um ausente


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que
rompeste e sem te despedires
foste embora..
Detonaste o pacto!
Detonaste a vida em geral!
A comum aquiescência de viver
e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo, sem consulta,
sem provocação até o limite
das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora!
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas
que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação,
o ato em si, o ato que não
ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade
de ti, de nossa convivência em falas
camaradas, simples mãos apertadas,
nem isso, voz modulando sílabas
conhecidas e banais que eram
sempre certeza e segurança.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis
da amizade e da natureza
nem me deixaste sequer
o direito de indagar
porquê o fizeste!
Porquê foste!

(Carlos Drummond de Andrade)